Céu e Inferno
A utilidade
que a procura incondicional da verdade traz é tão constantemente demonstrada
ao cêntuplo que é necessário conforma-se sem hesitar com coisas prejudiciais,
levianas e raras. Em resumo, com os quais o indivíduo consciente de si pode
chegar a sofrer por causa dessa busca.Porém, tal sofrimento gera uma complexa compreensão sobre
os desígnios da vida e a função intrínseca que ele gera na formação do caráter
de uma pessoa, ativa e desperta sobre as maquinações do mundo.
Dessa forma não se pode dizer de modo algum que temos uma
opinião formada sobre tudo ou em caráter concreto e definitivo, afinal não
sabemos se temos dentes de serpentes até que alguém coloque o calcanhar sobre
nossas cabeças. Sendo assim, sem dúvida, a nossa personalidade é definida muito
mais pela ausência de certas experiências do que por aquelas que vivemos.
O sofrimento
pode gerar inúmeros efeitos, sejam eles bons ou horríveis. Isso depende do
nível de percepção. Avaliando assim a clausura é como o sol, pois assim como
ele a dor tanto vivifica como pode matar, depende da intensidade. E é nessa
ponta que entra o idealista, este é incorrigível! Jogue-o para fora do seu céu
e com o inferno ele arranja um ideal para si.
Criem-lhe uma decepção e verão que ele não se empenhará
com menos ardor em abraçar sua desilusão do que se empenhava a pouco para se
revestir de sua esperança. E é desse
status que os “Sísifos” da atualidade são feitos. Sofrimento, decepção,
descrença no amor e na esperança, são desses atributos que é feito a nossa
pedra que levamos montanha acima todos os dias nos contrafortes de Hades.
Por isso afirmo que da minha parte, a felicidade da minha
vida está intimamente ligada ao hábito de sofrer.
Roubei o fogo
dos deuses e agora assim como Perseu que só queria levar a luz ao mundo, sou
castigado diariamente tendo meu fígado devorado dia-a-dia pelos abutres do
sistema e renovado à noite para ser consumido pelos carniceiros no dia
seguinte. Mas a tentativa de trazer a verdade para aqueles que habitam na
caverna é em vão. Pobres coitados foram vencidos pelo sono e agora tem horror a
tudo que possam despertá-los. Desse modo sobram só os pretendentes a realidade.
Esses são aqueles que quando finalmente percebem com que medida e por quanto
tempo foram enganados, abraçam por teimosia até mesmo a realidade mais feia, de
modo que se nós considerarmos o mundo em seu conjunto é para a realidade que
fracassam no decorrer dos séculos os melhores pretendentes, pois são os
melhores que foram enganados melhor e por mais tempo, e nisso não há vantagem
ou desvantagem, somente consequências específicas do ponto de vista de quem
observa. Se olharmos mais a fundo perceberemos que todos os homens são iguais
na derrota e no sofrimento. Mergulhados na clausura eles falam o mesmo idioma,
mutualizam-se, se solidarizam.
Assim o plebeu compartilha a mesma cama com o rei, o
leproso compartilha do mesmo prato do nobre. Já na alegria e no jubilo, cada um
é particular no modo de ser e não obstante a alegria, é algo imperfeito e
incompleto, pois é subjetiva e insuficiente. O orgulho anda de mãos dadas com a
alegria e com o sofrimento.
Conheço meus
defeitos e não me orgulho de nenhum deles, mas convivo bem com cada um,
principalmente com o de ser crítico. Acredito que quando a crítica é exclusiva
e injusta bem como inteligente, causa para a pessoa que exerce um prazer de tal
modo que o mundo deve reconhecimento a essa obra, e a ação de provocar muitas
críticas da parte de numerosas pessoas, pois a crítica deixa um rastro
brilhante de alegria, de espírito de admiração de ensinamentos, de boas
resoluções – O Deus da alegria criou o mal e o medíocre pela mesma razão que
levou a criar o bem e o entendimento.
Nunca fui
ingrato a respeito a minha sorte. Injustiçado, talvez. Nunca me importei com a
humilhação, tão pouco com o fardo que em meus ombros eu carrego. Mas conheço
muitos afortunados que quando encontra em um saco de vantagens que lhe foi
oferecido um único grão de desvantagem e humilhação, ainda fazem cara feia
apesar da sorte.
Por isso devemos ser eternamente gratos aos demônios que
nos cercam, afinal, são estes que nos causam a compreensão sobre as coisas da
vida. Ao contrário do que pensam a maioria, Deus e o Demônio são um só; Deus
está sempre presente nos momentos ruins de nossas vidas, a ele recorremos nas
desgraças vividas. Já nas alegrias, temos como companhia o Diabo por que pouco nos
lembramos do criador nesse momento.
Deus é único e a cada defeito humano cria-se um Deus diferente, e toda qualidade e verdade exacerbada originam um novo e poderoso Diabo.
Deus é único e a cada defeito humano cria-se um Deus diferente, e toda qualidade e verdade exacerbada originam um novo e poderoso Diabo.
O fraco e o covarde criam um Deus forte e vingativo, já
aquele que é escravo dos elogios e do prestígio sempre dá a luz a gênios
malignos.
Uma vez que seguem os caminhos adversos, dessa maneira
devemos ter consciência que por maior que seja a intensidade e a frequência do
nosso prestígio, estamos seguindo o caminho dos outros e não o nosso, e assim
ficamos escravos de um Demônio muito peculiar, a vaidade.
Por fim, nós só nos tornamos livres quando deixamos de
ser seguidores daqueles que nos seguem. E ao perceber isso, finalmente
conseguimos ver o Diabo de braços e abraços com Deus em um romance astral, e
por isso eu compreendo que se meus demônios forem embora, os meus anjos também
iriam alçar voo.
Sintetizando,
geralmente utilizamos mal aquilo que pagamos muito caro, porque a isso esta
ligada a uma lembrança desagradável, e desse modo, levamos dupla desvantagem.
No entanto, acho mais conveniente não ser trivial, pois não sou como aqueles
que preferem o belo ao útil, se eu fosse um desses seria como a criança que
prefere doce ao pão, por se estragar o estômago e por olhar o mundo com
desgosto.
E por isso eu acredito viver na terra dos antropófagos,
pois nessa solidão, o solitário como eu roí seu coração, já na multidão são
todos que o roem, e talvez por isso devesse ficar deitado sem me mexer e pensar
pouco. Esse é o remédio mais fácil de encontrar para todas as doenças da alma.
E com boa vontade, seu uso se torna a cada hora mais agradável, porque o fato
de ter alguns vermes não é argumento contra a maturidade de certos espíritos.
Por isso em
virtude dos fatos mencionados, tudo se deve a cruel invenção do amor (que diga
os meus amigos).
Que teu grande amor fez surgir à ideia cruel de destruir
o objeto desse amor para subtraí-lo de uma vez por todas do jogo do sacrílego
da mudança, afinal, o amor genuíno teme a mudança mais do que a destruição, e é
por isso que espero ansioso pelo dia em que finalmente beberei o vinho da
vitória ainda que seja na taça da derrota. Irei fazer isso em homenagem a essa
força indelével e andrógina que por falta de nome melhor chamarmos de Deus e
Demônio.
Autor: Welker Melo e Bruno Siqueira
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